Há cerca de três meses, Gianfranco Lanci aterrissou no aeroporto internacional de São Francisco, saiu do avião e se dirigiu às estações de checagem de passaporte. Enquanto pegava seus documentos, o agente de passaportes imediatamente o reconheceu como sendo o presidente-executivo da Acer.
Lanci pode precisar começar a lidar com seu status cada vez maior de celebridade. Afinal, ele transformou a Acer, uma vendedora de computadores pessoais com sede em Taiwan, em uma organização primorosamente afinada que está apagando algumas das tradições mais antigas do setor e liderando a ascensão de Taiwan na cadeia alimentar tecnológica.
Este ano, a Acer parece estar pronta para ultrapassar a Dell e se tornar a segunda maior vendedora de computadores pessoais do mundo, o que arrasaria uma das histórias de negócios favoritas da América sobre um império surgido a partir de um dormitório universitário. E se isso acontecer, a Acer seguirá atrás apenas da Hewlett-Packard; nenhuma empresa de computadores com sede fora dos Estados Unidos subiu tão alto.
"Isso é uma grande conquista e eles venceram o improvável", diz Roger L. Kay, analista da indústria de PCs e presidente da Endpoint Technologies Associates, uma consultoria. "A Acer é realmente promissora."
Gigantes como Foxconn e Quanta transformaram essa ilha em um eixo industrial, fabricando a maioria dos players de música, videogames, celulares e computadores comprados por consumidores e empresas. Mas as companhias que vendem esses produtos - HP, Dell, Apple e outras - têm colocado uma pressão imensa sobre esses fabricantes para manter os preços baixos.
Por isso, líderes empresariais e o governo taiwanês estão pedindo às empresas locais que pensem mais alto. Como resultado, muitas têm se preparado para se tornarem nomes conhecidos ao redor do mundo, fomentando seus negócios de softwares e obtendo mais propriedade intelectual vital em áreas do setor tecnológico que crescem rapidamente.
"A maioria das empresas em Taiwan é escrava de ciclos de crescimento e queda", afirma Tien-haw Peng, diretor de planejamento estratégico da Prime View International, uma empresa em Hsinchu, Taiwan, que fabrica monitores para aparelhos de computação. "Existe o objetivo de estabilizar as coisas encontrando um lugar melhor na cadeia de valores."
Nenhuma empresa taiwanesa fez isso tão rápido, ou com mais eficácia, do que a Acer.
Para atingir a posição número três no mercado global de computadores, a Acer passou por uma reinvenção corporativa que oferece suporte para estudos de caso de escolas de negócios.
Durante quase 15 anos, a Acer sofreu de personalidade dupla. Uma parte da empresa fabricava computadores para outras vendedoras de PCs que, então, colocavam o nome de suas marcas nas máquinas. Outra parte da Acer vendia computadores muito similares sob a própria marca da empresa.
O arranjo criava conflitos óbvios, dizem os executivos da Acer, sendo que o grupo responsável pelos produtos da marca Acer competia com os clientes do braço industrial da empresa.
Em 2000, a Acer começou a desmembrar sua divisão industrial. Um ano depois, uma empresa independente chamada Wistron se formou para lidar com tais operações. Uma Acer menor e mais sagaz surgiu, com um novo logotipo e altas aspirações globais.
Com um novo começo, a Acer tomou decisões aparentemente contraintuitivas. A empresa decidiu se focar em laptops para consumidores e vendê-los através de parceiros e varejistas, evitando qualquer tipo de venda direta.
Essa abordagem colocou a Acer em uma direção nitidamente oposta à da Dell, que era a maior história de sucesso do setor de PCs em 2000. A Dell estremeceu antigos rivais como Compaq, IBM e HP através de um modelo de venda direta ultraenxuto que dependia muito do mercado de computadores desktop para grandes empresas.
Nos anos seguintes, entretanto, a venda varejista de computadores passou por uma mudança que favoreceu a Acer. Hoje, consumidores compram mais computadores do que empresas e esses compradores tendem a preferir laptops a desktops. As vantagens que a Dell tirava da mistura e combinação de componentes para consumidores em suas fábricas desapareceram, com tais consumidores migrando para lojas em busca de máquinas pré-configuradas.
"Quando nos desmembramos, acreditávamos que, com o PC se transformando mais em uma commodity, os consumidores acabariam sendo a maior parte do negócio", disse Lanci, que se tornou presidente-executivo no ano passado. "A venda direta não parecia ser o modelo certo para isso. Após oito ou nove anos, parece que tomamos uma boa decisão."
A ascensão da Acer se intensificou durante o desaquecimento econômico global. A empresa fez uma entrada agressiva no mercado de netbooks - os pequenos laptops de baixo custo que foram um ponto brilhante raro durante a pior queda já enfrentada pelo setor de PCs. A Dell, que depende muito mais da venda de PCs a empresas, tem tido dificuldades, com empresas evitando a compra de novos computadores.
No ano passado, a fatia de mercado da Acer cresceu três pontos percentuais, chegando a 10,9%, enquanto a Dell ganhou apenas 0,1%, ficando com 15%, segundo a empresa de pesquisa IDC. A Acer continuou a diminuir essa diferença este ano, chegando a conquistar 11,6% do mercado contra 13,6% da Dell ao longo do primeiro trimestre.
Lanci acredita que a Acer pode continuar a crescer, especialmente nos Estados Unidos e na China - as duas regiões mais valorizadas para vendedores de PCs. Além disso, ele está direcionando a Acer para o mercado de celulares e defende que as semelhanças crescentes entre smartphones e laptops favorecem diretamente os pontos fortes da Acer.
"Acredito que temos know-how e que esses dois mundos vão se fundir", ele afirma.
Enquanto isso, a Acer abocanhou o manto de operadora ágil e enxuta da Dell. Seja em relação à tecnologia wireless ou aos laptops superfinos com bateria de duração mais longa, a Acer frequentemente fornece computadores com novos atributos antes de qualquer outro fabricante de PCs. E ao reconhecer uma tendência promissora iniciada por outra empresa - netbooks, por exemplo, foram uma invenção da Asustek, outra empresa taiwanesa - a Acer acompanha com vigor, bombardeando o mercado com produtos de baixo custo.
Paul S. Otellini, presidente-executivo da Intel, dá crédito a Acer por abraçar seu papel de azarão e por assumir grandes riscos para romper o status quo. "Eles têm feito um trabalho espetacular", ele diz.
Mas é claro que a jornada da Acer vem com desafios. Sua estrutura operacional de baixo custo não deixa muito dinheiro para pesquisa e desenvolvimento. A HP critica a Acer por sua gama limitada de produtos e carência de atributos originais que podem comandar preços mais altos. E a Dell se mudou para o varejo, território da Acer, lançando ao mesmo tempo uma enxurrada de novos designs atraentes para seduzir os consumidores.
"Acredito que a Acer seja apenas mais um concorrente que não se foca em nada além de relações públicas para ganhar espaço no mercado", disse Todd Bradley, chefe do negócio de computadores da HP.
Tais comentários, no entanto, vêm num momento em que a receita do negócio de PCs da HP sofreu uma queda de 19% em cada um dos últimos dois trimestres. O declínio da Dell tem sido ainda mais grave, com as vendas de desktops caindo cerca de 30% em cada trimestre. A receita geral da Acer também caiu, mas apenas 7% e 8%, respectivamente.
"Ainda somos capazes de contornar as coisas mesmo durante épocas difíceis", Lanci diz. "Não acredito que os concorrentes serão capazes de se equiparar a nós."
Diferente de seus rivais mais diversificados, a Acer concentra toda a sua atenção em um objetivo: vender computadores. Tal foco ajudou a Acer a estabelecer o que analistas consideram ser a estrutura de mais baixo custo do setor.
A empresa pode livremente escolher entre seus fabricantes para obter os menores preços e se orgulha de praticamente não ter estoque.
"Coletamos o pedido do cliente, encomendamos ao fabricante e eles realizam o envio", Lanci diz. "Não lidamos com as mercadorias."
No ano passado, a Acer contou com cerca de seis mil funcionários para atingir US$ 16,6 bilhões em receita e um lucro de US$ 358 milhões. Embora a empresa provavelmente produza mais receita por funcionário do que seus rivais, isso é feito com produtos menos lucrativos. Sua margem operacional de 2% é cerca da metade das margens da HP e da Dell, o que a coloca em uma categoria de lucro abaixo até mesmo de alguns varejistas, disse A.M. Sacconaghi, analista de valores da Sanford C. Bernstein & Co.
"Existe uma permuta entre crescimento e lucratividade no setor de PCs", Sacconaghi explica.
A estratégia da Acer teve êxito durante o desaquecimento do setor de PCs, com computadores mais baratos se tornando mais populares. A empresa tem se mostrado disposta a agarrar a maior fatia possível desse negócio, enquanto a Dell se retirou das vendas que depreciariam seus lucros.
Segundo Lanci, a Dell, que se recusou a comentar para este artigo, poderia reduzir seus custos apenas se estivesse disposta a tomar medidas drásticas. "Seriam necessárias grandes demissões em massa", ele disse.
Esses comentários contundentes saem de sua boca de forma branda e natural.
O despretensioso Lanci, nascido em Turim, Itália, viaja entre sua residência em Milão e os escritórios europeus da Acer em Lugao, Suíça. Uma vez por mês, ele se hospeda em um hotel em Taiwan para reuniões, conduzidas em inglês, na sede da Acer.
Os predecessores de Lanci, incluindo o fundador da Acer, Stan Shih, e seu presidente J.T. Wang, projetaram a maior parte da ambiciosa mudança estratégica da empresa. Mas observadores de longa data da empresa defendem que o domínio de Lanci do mercado europeu fomentou a crença de que a Acer poderia crescer para se tornar uma marca global de sucesso.
Após se juntar à empresa em 1997, como diretor executivo da Itália, Lanci transformou a Acer na vendedora líder de laptops no país em alguns meses. Três anos depois, ele foi posto no comando dos negócios da Acer na Europa e começou a executar uma estratégia familiar. Ele deu atenção generosa tanto a parceiros menores quanto a grandes varejistas, garantindo que os computadores da Acer aparecessem em quase todas as lojas possíveis.
E sem qualquer plano de vendas diretas, a Acer agradou aos varejistas - ao invés de competir com eles.
Outras empresas taiwanesas estão copiando a estratégia da Acer. A Asustek é uma das marcas de PC de mais rápido crescimento na Europa. A HTC costumava fabricar telefones celulares para outras empresas, mas reservou um pouco da atenção para si própria, lançando o primeiro aparelho a utilizar o software para telefones do Google. E a BenQ, que se desmembrou da Acer, teve grande sucesso na China com pequenos projetores e monitores atraentes.
Muitas dessas empresas injetaram dinheiro em fabricantes de softwares iniciantes nos Estados Unidos, na esperança de adicionar um destaque como o iPhone a seus produtos e gerar lucros maiores. Os grandes fabricantes fizeram o mesmo, incrementando suas divisões de software, enquanto o governo taiwanês despejou dinheiro no desenvolvimento de softwares, esperando criar uma onda de empresas iniciantes com programas direcionados à web e a aparelhos móveis. Tradução: Amy Traduções The New York Times
segunda-feira, 29 de junho de 2009
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